domingo, 25 de fevereiro de 2024

Ainda nem 20 minutos passaram e já me sinto agradecido pela visão de Paul Newman a beber uma lager fresca, dos seios despidos de Reese Witherspoon, de Newman e Gene Hackman a permutarem bojardas quanto ao uso de camisas masculinas cor-de-rosa, e de John Spencer e Stockard Channing a compartilharem o mesmo espaço de um escritório fora do "The West Wing" (série que proporcionou muitas horas de genuíno júbilo e instrução a estes lados). Os pequenos prazeres dos filmes desequilibrados são como os da vida: a idade ensina a apreciá-los na sua plenitude e a ser-se menos exigente com o todo que os rodeia.

Twilight (1998), Robert Benton

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 7

Estava sozinho quando falava sobre Singapura em jantares de amigos. Tecia-lhe sinceros elogios partindo da história do seu sucesso: a de uma cidade-Estado excluída de uma fugaz federação malaia que, forçada à independência e sem uma economia forte nem meios naturais capazes de assegurar a total auto-suficiência, conseguiu o enorme prodígio de, não só sobreviver, como transitar de um nível terceiro-mundista para um de primeiro.

Falava da estratégia de Lee Kuan Yew, o primeiro-ministro da região por 30 anos que conduziu a nação neste processo evolutivo. Para combater o elevado desemprego, a sua administração implementou políticas de industrialização que produziram numerosos postos de trabalho. Poucos anos depois, na época das multinacionais, Kuan Yew deslocou-se aos EUA com a mensagem de que a mão-de-obra singapurense era eficiente, barata e orientada pelos valores confucianos de lealdade e respeito ao próximo, aliciando os empresários americanos a colocarem as suas fábricas naquela região, a qual publicitava como um ponto geográfico estratégico de entrada no mercado asiático. Resultou: a taxa de desemprego tornou-se residual, o investimento externo aumentou, a economia cresceu e o país tornou-se numa referência mundial. E isto sem sacrificar aspectos do Estado social.

Falava das políticas que correram bem em áreas onde em Portugal ainda apresentam problemas: na saúde, um sistema que encaminha parte do salário para uma conta específica a ser usada em clínicas e hospitais pelo próprio utilizador; na habitação, construção intensiva fomentada pelo Estado, assegurando que, graças ao cariz social de boa parte do parque de habitação, ninguém ficava sem tecto; na natalidade, incentivos à classe média e alta a terem mais do que 2 filhos, nomeadamente por benefícios fiscais e prioridade no acesso às escolas de interesse em cenários competitivos; nos tribunais e na polícia, compensações salariais elevadas que tornaram as carreiras mais atractivas e blindadas à corrupção. Kuan Yew não era um idealista de esquerda ou de direita, mas sim um pragmático que aplicava medidas de esquerda e de direita. O estadista ideal para um tipo de centro como eu.

Sabia de alguns excessos nas suas leis (a proibição de pastilhas, as vergastadas aos delinquentes, a pena de morte aos traficantes de droga) e não os escondia, mas afirmava que Portugal poderia trazer algumas das políticas para cima da mesa do debate público sem atraiçoar os seus princípios. Não necessariamente implementá-las, mas, pelo menos, discutir a sua viabilidade. Ainda acho que pode ser feito, mas, olhando para os programas eleitorais destas legislativas, só um é que menciona Singapura como exemplo para uma área estratégica (o Volt, no âmbito da habitação). Não quer dizer que os grandes partidos não estejam de olhos neste ponto do sudeste asiático. Quando rebentou o caso João Galamba, enquanto futilmente se discutia à exaustão se o antigo ministro, no regresso de uma viagem profissional por Singapura, havia realmente ameaçado fisicamente um assistente e se deveria ser dispensado do cargo, a minha questão era só uma: "Qual foi a razão daquela viagem?" Ainda hoje não temos resposta. E devíamos. É que, entre outros países, foi Singapura quem auxiliou a China nas suas reformas capitalistas pós-maoístas, contribuindo significativamente para a transformar numa das principais superpotências económicas. A sua atitude é de cooperação internacional, fornecendo conselhos a quem os procura. Terá sido a procura deles o motivo da deslocação do antigo ministro das infra-estruturas? E, se sim, em que âmbito?

Deixei-me, em suma, levar pelo canto do leão-sereia, ao ponto de, no auge do meu ingénuo entusiasmo, ter enviado currículos e cartas de motivação para diferentes empresas ali estabelecidas. Nunca obtive qualquer resposta. Estou, hoje, contente que assim tenha sido. Viajando e confrontando-me com o presente e não com o passado, com a realidade e não com a ilusão, aquilo que em tempos foi para mim um modelo político de referência revela-se, actualmente, um protótipo para uma tecnoutopia distópica de intimidação psicológica e monitorização quase permanente. São 109.000 câmaras para 6 milhões de habitantes. 18 câmaras para 1000 pessoas. E esperam aumentar para 200.000 na próxima década. Junte-se a estes dados o inumerável número de placas e plaquetas sobre multas e proibições e experiencia-se como tanta segurança deixa uma pessoa insegura. Posso estar errado, mas antevejo que, num futuro não muito distante, os media passarão a dar mais atenção a Singapura e deixarei de estar sozinho a falar sobre ela aos jantares. Só duvido de que seja enquanto caso de sucesso.

PS: Termino este diário de viagem com a fonte do aeroporto ("HSBC Rain Vortex" é o seu nome) com que o iniciei. É das visões mais bonitas que um país pode receber uma pessoa. E despedir-se dela também. Olhar para ela recorda-me do bom que encontrei por aqui: a sua inovação, o seu verde, a sua generosidade, a sua beleza. Apesar de tudo, não deixa de ser um país bonito e recomendável para conhecer. Por agora.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 6

Mendigar é ilegal em Singapura. De modo a não serem penalizados, a maneira dos mais economicamente desfavorecidos conseguirem o desejado apoio é sentarem-se no chão e estenderem a mão em frente (como os pedintes normais), mas, ao invés de a apresentarem vazia, colocá-la com pequenos pacotes de lenços para venda, os quais o altruísta esmolador pode escolher levar ou não consigo. Vi isto acontecer mais do que uma vez, ficando, em mim, desfeito por completo o mito que tinha lido algures de que Singapura não tem pedintes. Tem, sim. Simplesmente, souberam adaptar-se ao excessivo conjunto de leis que também define a ilha. 

Esta não é a unica proibição de sentido discutível. Andando pelos diferentes tipos de espaços públicos singapurenses, é frequente encontrar-se pelo menos um aviso associado a uma qualquer interdição. Nas escolas, a de fumar a menos de 5 metros da porta delas. Nos campos de basquetebol, a de jogar após as 21h30. Nas casas-de-banho públicas, a de deitar lixo no chão. Nas zonas de restauração, a de abandonar tabuleiros sujos. Nos transportes, a de comer e beber. Nas ruas, a de magoar voluntariamente alguém, a de consumir álcool fora dos horários pré-determinados ou a de atravessar as estradas fora das passadeiras. O efeito psicológico destes sinais, como o das placas e câmaras CCTV, é o de uma intimidação silenciosa, um alerta discreto que sussurra, "Nós estamos a ver-te", alerta esse que, não por acaso, já me havia explicitamente deparado numa placa policial daqui e que instantaneamente me lembrou do mote de "1984": "O Grande Irmão está a ver-te." A tecnoutopia distópica de Singapura também se sumariza assim: o resultado do cruzamento da Disneyland com o magnum opus de George Orwell. 

É por isso que acho corajosa a exposição, numa modesta loja em Little India, de uma t-shirt que adverte para um conjunto de restrições do país e das consequências dos respectivos incumprimentos, que, consoante o tipo de delito, vão da multa à pena de morte, passando pelas vergastadas. É uma t-shirt que está não só visível como também colocada de forma ao transeunte comum poder facilmente ler o seu conteúdo. Escondê-la-ão os seus vendedores quando as forças policiais passam por aquela rua? Ou estas últimas crerão que contribui para o efeito psicológico mencionado, usando-a em seu benefício? Independentemente da resposta, creio que há que saudar o facto de ainda não existir um sinal de interdição para ela. Pelo menos, por enquanto. 

Esta t-shirt não é, no entanto, o que mais se destaca de Little India. Entrando em Tekka Centre, observa-se um microcosmo do comércio e da cultura indiana, com os comensais a almoçarem com as mãos, as mulheres em grupo vestidas com os seus sáris ou a parte do mercado ostentando, para venda, o encantador vestuário típico do país. Depois da Arab Street e de Chinatown, esta zona reforça a impressão que L. comigo já partilhara: a de que Singapura é um excelente ponto de partida para um ocidental conhecer o Oriente, tamanha é a paisagem cultural rica e diversificada oferecida.

PS: Para quem só lê este diário de viagem aberto para obtenção de recomendações turísticas, fica mais um par delas. As Peranakan Houses, pequeno aglomerado de coloridas habitações suburbanas que trazem à memória os Palheiros da Costa Nova; e o centro comercial Ngee Ann City, cuja labiríntica livraria disponibiliza uma selecção de mais de meio milhão de livros, tornando-a num autêntico Toys R Us para bibliófilos.





quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 5

Como é a praia de uma democracia iliberal? Na região singapurense de Sentosa, existem algumas que poderão ajudar a responder a essa questão. A serenidade amarela do areal é perturbada pela autoridade cinzenta dos postes das câmaras "dome", as quais servem de permanentes e incansáveis sentinelas. Os nadadores-salvadores encontram-se numa torre elevada com uma placa azul fixa que adverte da interdição de banhos a partir das 19h. E, à entrada, não são incomuns os avisos da punição advinda, por lei, relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas entre a noite e a manhã do dia seguinte.

Mas, como é recorrente neste país, onde há monitorização há também inovação. Daí que aqui se vejam elementos aliciantes estranhos a olhos estrangeiros, como um quiosque electrónico de protector solar ou QR Codes que apresentam a qualidade da água, informando o eventual banhista se é seguro entrar nela. Acrescente-se a isto componentes recreativos como pontes de corda que criam caminho para pequenas ilhas rochosas, cordas rijas para se fazer slide ou cadeiras suspensas na areia e acentua-se a impressão de se estar numa praia proveniente de um futuro não muito distante. Para o melhor e para o pior.

PS: Para os amigos da área da biologia, duas atracções zoológicas: a primeira, o Sea Aquarium, o equivalente ao nosso Oceanário; a segunda, o Mandai Night Safari, o Badoca Park cá do sítio (mas numa dinâmica nocturna e com boa bicharada da grossa).

PSS: Na publicidade das ruas, encontro um familiar rosto wong kar-waiano.









quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 4

Marina Bay é o zénite de Singapura em termos de ostentação, design, arquitectura, inovação e fotogenia. Dois edifícios destacam-se na paisagem urbana à sua chegada: um cuja forma concoidal o torna num primo arquitectónico não muito distante da Sydney Opera House; o outro constituído por 3 torres altas de curvas minuciosas que sustentam, juntas, uma longa plataforma semelhante a um navio.

O primeiro, o Art Science Museum, presenteia o visitante, no exterior, com um lago de nenúfares que encaminha o olhar para a metrópole e, no interior, com envolventes atracções lúdico-didácticas, das quais se destaca uma cascata de cores atravessada por um corredor estreito, algo visualmente reminescente do portal de estrelas para o qual Keir Dullea era engolido no final de "2001: Odisseia no Espaço".

Mas é o segundo, o Marina Bay Sands, que causa a impressão mais forte. São 55 andares distribuídos ao longo de 198 metros de altura. Está aqui a piscina mais alta do mundo. E o casino mais caro também. É um hotel e um centro comercial unidos por um rápido percurso feito de corredores e escadas rolantes. Algumas lojas lá encontradas? Prada, Louis Vitton, Tiffany & Co, Saint Laurent, Dior, Gucci, Chanel. E isto são só aquelas que compartilham o mesmo piso. Olhando para baixo, observa-se um corpo de água que pode ser percorrido por pequenos barcos acessíveis a qualquer cliente. Um riacho artificial navegável no meio de um shopping, portanto. Se alguém a ler isto tem esse poder, por favor, importe o conceito para Portugal. 

E o casino? 4 andares, 2500 "slot machines" feitas de ecrãs tácteis, dragões em néon, coberturas de motivos serpentinos sobre as mesas de cartas, roletas tradicionais físicas e modernas digitalizadas, jogadores a fumarem nas mesas de apostas (num país tão conhecido pelas medidas anti-tabagistas!) e uma a seis câmaras por metro quadrado no tecto dos patamares abertos ao público em geral. Lamentavelmente, não me permitem tirar fotografias.

Porém, o espaço mais impressionante de todos esconde-se nas traseiras deste edifício: Gardens by the bay, feito hercúleo de preservação ambiental e arquitectura paisagística. Entre vidros, coabitam as mais diversas plantas, flores e árvores provenientes de distintas partes do planeta, as quais se encontram segregadas por zona geográfica. É na correspondente à Califórnia que tenho a sorte de registar um corajoso e inesperado pedido de casamento de desfecho entusiasticamente aplaudido. Ao ar livre, existe um parque de painéis fotovoltaicos incorporados em colossais estruturas de design arbóreo entre a densa vegetação natural. Milhares de pessoas acumulam-se aos pés destas denominadas "super-árvores", todas as tardes, para assistir ao organizado desabrochar das suas luzes motivado pelo desvelar da noite. Foi neste espectáculo luminescente que o canto do leão-sereia singapurense se me revelou mais sedutor. E, acrescento, onde dificilmente mais alto se fará ouvir.










terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 3

"Merlion" (um leão-sereia) é a mascote oficial de Singapura. A parte de peixe deriva das origens históricas do país, inicialmente caracterizado pela sua actividade piscatória. A parte de leão provém do facto de "Singapura" significar "cidade do leão" em malaio. Uma estátua dela, de 8 metros e meio e 70 toneladas, vigia fixamente as águas da região. No entanto, não há qualquer conto histórico remoto que envolva a híbrida criatura, sendo apenas fruto imaginativo da estratégia de um Estado que, na década de 60, pretendeu promover intensivamente o turismo na zona. A julgar pelos magotes de pessoas que ao redor do monumento empunham telemóveis e máquinas fotográficas, quase se atropelando por um retrato com o ser mitológico empedernido, foi plenamente bem-sucedida.

Poucos quilómetros adiante, Chinatown demonstra a pujante multiculturalidade que também define esta ilha do Sudeste asiático, onde diferentes tradições de diferentes crenças são respeitadas de igual maneira. Entre o cheiro do incenso e o murmúrio das orações, mesquitas, templos hindus, santuários budistas e taoístas encontram-se separados a curtas distâncias entre si, numa vivência pacífica e comovedora de aceitação e tolerância mútua pelas respectivas fés.

Numa nota final e mais leve, ver a Singapura do hoje potencia, por vezes, a sensação de se estar a olhar para uma janela do Portugal do amanhã, nomeadamente no âmbito dos produtos inovadores a serem comercializados. Será uma questão de tempo até que, em magnas terras lusitanas, os monitores de computador venham num formato côncavo panorâmico, até que as torradeiras contenham uma frigideira incorporada, até que as "vending machines" disponibilizem cartas do Pokémon ou até que os Cornettos tenham o sabor de brownie de chocolate negro como opção. Aguardemos esperançosos. Sobretudo, pelo último elemento desta enumeração.







segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 2

A primeira palavra que ocorre quando se está em Singapura é "controlo". O controlo subentendido nos recorrentes avisos de multa e proibição; o controlo patente nos cartazes que ameaçam com penas de cadeia para práticas que vão do "shoplifting" (furtos em lojas) ao "touting" (tentativa insistente de venda de um produto por abordagem directa); o controlo explícito nas câmaras de vigilância presentes nos cantos de cada esquina, nas entradas de cada edifício, nos tectos de cada estabelecimento, nos topos de cada semáforo, nas laterais de cada autocarro ou nos troços de cada vintena de metros de estrada. É dificílimo, para não dizer impossível, dar um espirro sem alguma câmara "dome" ou "bullet" poder servir como testemunha.

A segunda palavra que ocorre é "beleza". A beleza da mistura entre a botânica e o betão; a beleza das ruas limpas e paredes desprovidas de vandalísticas pichagens; a beleza da heterogeneidade de formas dos prédios com as suas superfícies mais ou menos vidradas; a beleza da Fountain of Wealth, da mesquita da Arab Street, do memorial de 4 colunas às vítimas da ocupação japonesa na 2a Grande Guerra ou da arquitectura paisagística da região inteira vista por uma cabine da roda gigante do país. É facílimo, para não dizer certo, soltar uma expressão de admiração com a pulcritude e nível de detalhe de cada elemento relevante desta cidade-estado.

É neste balanço entre as duas palavras que se define Singapura e o apelo turístico a alguém ocidental, espécie de Disneyland para adultos, parque de diversões gigante e hipermonitorizado onde as suas atracções se definem pela possibilidade de um país belo, seguro e eficiente com o custo do bilhete ao preço de parte da liberdade. É uma utopia? É uma distopia? Um pouco de ambos é o mais adequado, talvez. E, por isso, não raras vezes me lembro da piada sobre dois cães que nadam, em direcções opostas, nas águas entre Singapura e Bornéu. Ao cruzarem-se, o cão que nada rumo a Bornéu questiona a razão de o outro se dirigir a Singapura. Responde ele: "Ah, os centros comerciais, a habitação, o ar condicionado, o sistema de saúde, a educação. E por que razão te diriges a Bornéu?" Diz o cão de Singapura: "Oh, eu só quero ladrar."






domingo, 11 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 1

Andava interessado em Singapura desde o ano passado, altura em que descobri que um país de 3o mundo, apenas 7 vezes maior do que Lisboa, tinha, no espaço de uma ou duas décadas da 2a metade do séc. XX, alcançado um nível de qualidade de vida que o colocava ao nível dos de 1o. Não foi sem custo. A beleza, segurança e conforto singapurenses envolveram também a aplicação de métodos que, para quem vem do Ocidente, provocam um inevitável choque cultural. Para se entrar na cidade-estado onde tudo funciona (o sistema de saúde, os transportes, a economia) passa-se por um controlo de segurança rígido onde tudo se regista (o passaporte, o rosto, as impressões digitais); a pastilha elástica está banida; o consumo de comida em transportes públicos é multável; o tráfico de droga é punível com a morte; o Estado interfere na imprensa; e ainda se aplicam punições físicas no sistema prisional.

Discuto quase isto tudo com Steve, um habitante local, natural da Malásia, que prontamente me auxilia a utilizar o sistema de metro quando viajo rumo ao hotel e me apresento como um turista português acabado de chegar, à noite, de um voo de 17 horas. Durante o trajecto do aeroporto a City Hall, pergunto-lhe se é verdade que não há sem-abrigos em Singapura. Responde-me, com o máximo de genuinidade, "O que é isso?". Questiono-lhe se o que o país tem de bom compensa o mau. Replica-me, sem o mínimo de hesitação, "Sim, absolutamente". E, sobre segurança, deixa-me 2 notas que me marcam: "O Estado é tão controlador que pode estar, agora, um polícia disfarçado à paisana a ouvir esta nossa conversa" e "Tu és o responsável por ti próprio. Se sabes que não fizeste nada de mal, então nada tens a temer".

O choque cultural é muito para quem vem do Ocidente. Mas o fascínio também. Olhamos para os espaços e vemos várias religiões, etnias e nacionalidades a conviverem entre si. Os risos ouvidos e a disponibilidade generosa como a de Steve mitigam a sensação de se estar numa democracia iliberal. E a fonte luminosa no aeroporto espoleta uma tranquilidade próxima à de um grandioso cartão de boas-vindas que afirma: "Vem conhecer, sem medos, este país". Mal posso esperar pela chegada da manhã para o fazer.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

É uma pena que a Iniciativa Liberal não existisse há década e meia. Nessa altura, em que passava anos da minha adolescência a ouvir o conselho paternal, "Joga menos PlayStation e faz mais desporto", que bom teria sido se tivesse a chance de responder, "Olha que, segundo o programa da IL, a PlayStation é um desporto".