quinta-feira, 15 de abril de 2021

 Como se não bastasse a acumulação gargantuesca de clichés, a interpretação cabotina e histriónica de Sean Penn, a estilização da violência que o faz parecer um copycat de Zack Snyder, Ruben Fleischer também tinha de meter, em "Gangster Squad", aquele que é o "raccord" de mais mau gosto do cinema americano deste século: os miolos que saltam de uma personagem morta por um black & decker para o vidro rugoso onde está encostado, cortando o cineasta para um hambúrguer atirado para a grelha de uma churrasqueira. A verticalidade das linhas do vidro a unir-se à dos ferros da grelha, e a textura da mioleira humana a associar-se ao da carne picada para consumo. Será o Fleischer um vegetariano que pretende estimular, pelas possibilidades da montagem, os espectadores a adoptarem um regime alimentar que exclua definitivamente a chicha ("não, querida, não vou comer mais hambúrgueres porque me fazem lembrar o cérebro arrancado de um certo filme medíocre") ou é apenas dotado de um sentido de humor morbidíssimo que em nada se enquadra no tom do filme que faz? De qualquer das maneiras, acho que ando a ler demasiado Daney.




domingo, 11 de abril de 2021

Saudades dos blogs do Mexia

«Não há cabelo mais louro do que o cabelo de Naomi Watts. Não há olhos mais azuis que os olhos de Naomi Watts. Não há epiderme mais rosada que a epiderme de Naomi Watts. Não há dentes mais brancos que os dentes de Naomi Watts. Não há boca mais escarlate que a boca de Naomi Watts.

E não há nada que Naomi Watts faça ou diga que não me deslumbre ou comova.»

«Prova de Vida (Diários 2004-2006)», Pedro Mexia





sexta-feira, 2 de abril de 2021

No que toca à escrita sobre cinema (e vá, também à vida), gosto bastante de fel, de azedume e de acrimónia. Se é entusiasmante quando lemos um crítico apaixonado pelo filme que viu, esforçando-se, pelo ofício da escrita, para tentar transmitir o amor sentido pela obra aos seus leitores, não menos entusiasmante é a situação oposta, quando o pobre escriba encolerizado usa a sua pena para efeitos terapêuticos, na esperança de que o leitor compartilhe, nem que seja um pouco, da sua crispação. Alguns dos meus momentos predilectos: quando o Ebert escreveu que preferia uma colonoscopia ao "The Brown Bunny"; quando o Luís Miguel Oliveira apontou que as capacidades olfactivas do Danny Boyle limitaram-se a matéria escatológica para o "Slumdog Millionaire"; e - aquela que é, possivelmente, a maior ofensa lançada a um cineasta - quando o Hugo Gomes definiu o Terrence Malick como o "Pedro Chagas Freitas do cinema". A esta lista, passo a juntar as duas (repito, duas) linhas que o David Thomson dedicou ao Richard Donner no "New Biographical Dictionary of Film".