domingo, 29 de outubro de 2017

O Horizonte de John Ford


Acabado de sair da versão enternecedora de Directed by John Ford feita por Peter Bogdanovich em 2006, não resisto em partilhar a história que um dos entrevistados relatou sobre um encontro que teve com o cineasta, quando tinha apenas 15 anos.

"Entrei no escritório dele e vi-o de botas calçadas, em cima da secretária. Perguntou-me o que queria dali. Respondi-lhe que queria ser cineasta. 
Ele olhou para mim, de cima para baixo. Depois, apontou para o primeiro de uma série de quadros que tinha numa parede.
-Vai para ali - disse-me. 
Eu fui e vi um retrato de um índio num cavalo.
-Onde está o horizonte? - perguntou-me. 
Eu apenas respondi:
-Em baixo. 
-Boa, agora vai para o próximo. Onde está o horizonte agora? 
-Em cima - respondi-lhe. 
-Muito bem - disse ele - se alguma vez aprenderes a apreciar a arte de um horizonte em cima ou em baixo, ao invés de directamente no meio, então talvez possas vir a ser um bom cineasta. Agora, sai-me daqui."

Decorria o ano de '61. O nome do rapaz era Steven Spielberg.


The Grapes of Wrath (1940)

My Darling Clementine (1946)

Fort Apache (1948)
She Wore a Yellow Ribbon (1949)

Wagon Master (1950)

The Searchers (1956)

sábado, 14 de outubro de 2017

Uma vez perguntaram ao Robert Mitchum se ele seguia o método Stanislavski.
"Não", respondeu Mitchum, "mas sigo o método Smirnoff".

Patrão.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Sputum, miraculum

Das várias histórias dos bastidores do cinema, uma das menos conhecidas é a da primeira exibição do Couraçado Potemkine, no Teatro Bolshoi, em 1925.

Estava Eisenstein na sala de montagem com o período definido de 3 semanas para a edição do filme prestes a findar, quando, inesperadamente, se lhe termina a cola com que trabalhava o final da película. Com medo de misturar os fragmentos soltos que o compunham e na esperança de que se tratasse de uma situação temporária eis que, num gesto açodado, cola estes pedaços com o seu revolucionário cuspe.

Mas os dias passam, o nosso guedelhudo de eleição entrega assim mesmo o seu trabalho e não mais se lembra do seu erro até àquela noite fria de Dezembro no dito teatro. Quase a entrar em pânico, diz para si enquanto percorre, nervosamente, os corredores do edifício: "Pedaços de filme virão a voar do projector! O final será sufocado, assassinado!" Como reagiria a audiência a este violento desfecho?

Eis então que chega a derradeira bobine e... "um milagre! O cuspo aguenta! O filme corre até ao fim! Quando voltámos à sala de montagem não acreditámos nos nossos olhos - nas nossas mãos os fragmentos separavam-se sem o menor esforço e, no entanto, tinham sido unidos por uma força mágica à medida que corriam, como um todo, pelo projector."

Um filme colado a cuspo que se aguenta até ao fim? Ora, eis uma boa definição de "milagre".

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

"Fais que ton rêve soit plus long que la nuit."

(Título de um álbum de Vangelis em torno do Maio de '68 e, provavelmente, a frase mais bonita que se possa dizer a quem ambicione começar qualquer coisa como uma revolução.)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Últimos hurrahs

A última aparição pública de John Wayne foi quando entregou o Óscar de melhor filme em 1979 a O Caçador (exactamente 2 meses e 2 dias antes da sua morte). À procura desse momento, encontro a versão completa dos últimos 10 minutos da cerimónia, onde um Wayne elegantíssimo desce as escadas com uma alegria de quem sabe que a cidade precisa do seu xerife confiante a cada manhã para estar em completo sossego. E é absolutamente avassaladora, sem deixar de ser comovente, a forma como mantém essa postura mesmo no seu discurso proferido com um pulmão e 4 costelas a menos: "Vou estar cá por muito mais tempo." As suas derradeiras palavras para uma câmara, um good night enrouquecido e abafado pelo som dos aplausos, à medida que sai do enquadramento com as palmas das mãos para baixo e polegares enfiados no colete formal. Um cowboy durão até ao fim. Acredito que o Ford havia de estar a ver isto com o charuto no canto do lábio e a pensar "meu sacana, não sabia que eras capaz de apresentar", lá na sua colina do Monument Valley onde vive e tudo vê.

Mas dizia, encontrei a versão completa e qual não é o meu espanto quando, uns minutos antes deste momento, me deparo com o Coppola pré-bezanas prestes a entregar o prémio de realização e a dizer com uma confiança que hoje é impossível escutar sem abanar a cabeça, em tom condescendente: "Vejo uma revolução! Acredito que nos anos 80 os filmes produzidos estarão para além dos nossos sonhos!" Ah, a ironia...

Dito isto, esqueci-me se o propósito deste post era falar do Wayne ou da Nova Hollywood, mas admiro que em 10 minutos tanto o Duque como o Padrinho tenham feito o melhor que as suas artes permitiam: criar a ilusão de que o que se estava a assistir era o sinal de algo grandioso e que só viria a melhorar com os anos. Mentiras necessárias para fazer acreditar que, tanto na vida como no cinema, vale sempre a pena ficar à espera. Sinais de esperança, vindos em últimos hurrahs. Ainda hoje precisamos deles.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Depois de Karina, antes de Miéville, houve Wiazemsky

«Nous étions maintenant assis sur un banc, dans un square, à l'ombre d'un vieux figuier. Il me tenait serrée contre lui et se taisait. Enfin, il murmura :
-O Jeanne pour aller jusqu'à toi, quel drôle de chemin il m'a fallu faire.
Et devant mon air surpris :
- C'est ce que dit le voleur à Jeanne dans le parloir de la prison. Tu ne connais pas Pickpocket de Robert Bresson?»

Anne Wiazemsky, Une année studieuse (Gallimard, 2012)

domingo, 1 de outubro de 2017

A poesia de Rilke em «As Asas do Desejo»

Só agora, ao ler a crítica do Rosenbaum (aprende-se tanto com o Rosenbaum) ao As Asas do Desejo (1987) é que descubro que o filme foi inspirado em versos de Rainer Maria Rilke (poeta que também não conhecia). E, aquando uma segunda visualização ao filme, creio que se está, possivelmente, diante de um dos melhores casos em que o cinema tentou filmar "a poesia".

«They all have tired mouths
And luminous, illimitable souls;
And a longing (as if for sin)
Trembles at times through their dreams.

They all resemble one another.
In God's garden they are silent
Like many, many intervals
In His mighty melody.

But when they spread their wings
They awaken the winds
That stir as though God
With His far-reaching master hands.»

THE ANGELS









«Praise the world to the Angel, not the untellable: you
can’t impress him with the splendour you’ve felt; in the cosmos
where he more feelingly feels you’re only a tyro. So show him
some simple thing, remoulded by age after age,
till it lives in your hands and eyes as a part of ourselves.
Tell him things.»

THE DUINO ELEGIES






«Who, if I cried, would hear me among the angelic Orders? And even if one of them suddenly
pressed me against his heart, I should fade in the strength of his
stronger existence.»

THE DUINO ELEGIES

















«But tell me, who are they, these acrobats, even a little
more fleeting than we ourselves,—so urgently, ever since childhood,
wrung by an (oh, for the sake of whom?)
never-contented will? That keeps on wringing them,
bending them, slinging them, swinging them,
throwing them and catching them back (...)»

THE DUINO ELEGIES