sábado, 23 de setembro de 2017

As Vinhas da Ira (x3)

«Nesse caso, todas essas coisas deixam de ter importância. Eu estarei em qualquer sítio, na escuridão. Estarei em toda a parte, em qualquer sítio para onde a senhora se puser a olhar. Onde quer que se lute para que a gente possa comer... eu estarei presente. Onde quer que a polícia esteja a bater num tipo, eu estarei presente. (...) Estarei onde quer que se vejam criaturas a gritar de raiva... e estarei onde as crianças sorriam porque têm fome mas saibam que a ceia não tarda. E quando a nossa gente comer aquilo que plantar e morar nas casas que construir... então também eu estarei presente.»

John Steinbeck, The Grapes of Wrath (1939). Tradução de Virgínia Mota.

«Now Tom said "Mom, wherever there's a cop beatin' a guy
Wherever a hungry newborn baby cries
Where there's a fight 'gainst the blood and hatred in the air
Look for me Mom I'll be there.»

Bruce Springsteen , The Ghost of Tom Joad (1997) do álbum homónimo.

The Grapes of Wrath (1940), John Ford

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Apesar de...

estar com uma degradação cromática que põe a imagem num vermelho infeliz, apesar das legendas em holandês, apesar de estar com uns debuxos que nos dão total garantia "sim rapaz, estais vendo do saudoso 35 mm", a cópia de The Immortal Story exibida na Cinemateca bem mostra que esta obra é uma das maravilhas esquecidas do good old Welles. É vê-lo sentado a olhar melancolicamente de frente para a câmara, como quem ouve o arrastar tenebroso e lento da inevitável gadanha. Ou Moreau, belíssima, a soprar as velas com uma jovialidade inocente, sem perder um pingo da sua carnalidade. Junte-se isso aos brancos pacíficos dos planos com ela a contrastarem com os negros carregados dos enquadramentos com ele e temos motivos para gritarmos para os da fila de trás "E isto foi feito originalmente para a TV, senhores!". O Rossellini deve ter ficado orgulhoso enquanto adormecia agarrado às suas enciclopédias.

The Immortal Story (1968), Orson Welles

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Quando o travelling faz o filme

Umas palavrinhas que dei sobre o recentemente estreado I am Michael:
http://www.c7nema.net/critica/item/47007-i-am-michael-o-meu-nome-e-michael-por-duarte-mata.html

Aula de cinema

«Alfred Hitchcock (AH): (...) O que não compreendo é que alguém se apodere realmente de uma obra ou de um bom romance cujo autor empregou 3 ou 4 anos em escrever e que constitui toda a sua vida. Manipula o assunto, rodeia-se de uns artesãos e técnicos de qualidade e temos candidaturas aos óscares, enquanto o autor se dilui em segundo plano. Não se pensa mais nele.

François Truffaut (F.T.): Isso explica porque não filmará "Crime e Castigo".

A.H.: E adicione o facto de que não ficaria bom.

F.T.: Porquê?

A.H.: Se pegar num romance de Dostoievski, não só "Crime e Castigo" mas qualquer um, tem muitas palavras e todas têm uma função.

F.T.: E uma obra-prima é, por definição, algo que já encontrou a sua forma perfeita e definitiva?

A.H.: Exatamente. E para expressar o mesmo de uma maneira cinematográfica, seria necessário substituir as palavras pela linguagem da câmara e rodar um filme de 6 ou 10 horas, caso contrário não funcionaria.

F.T: Para além disso, o seu estilo em particular e as necessidades do suspense obrigam-no constantemente a jogar com a duração do tempo, a comprimi-la às vezes, mas com maior frequência a dilatá-la, e por ele o trabalho da adaptação de um livro é muito mais diferente para si que para a maioria dos cineastas.

A.H.: Sim, mas comprimir ou dilatar o tempo, é a principal função de um realizador? Não crê que o tempo do cinema deva ser independente do tempo real?

F.T.: Sim, é um elemento essencial, mas isto só se pode descobrir ao fazer o primeiro filme, por exemplo, as acções rápidas devem descomprimir-se e dilatar-se, caso contrário seriam imperceptíveis para o espectador. Faz falta ofício e autoridade para controlar isto.»

Hitchcock / Truffaut


God bless cinema

Debra Paget em O Túmulo Indiano.
Claudia Cardinale em Aconteceu no Oeste.
Diane Lane em Estrada de Fogo.
Anna Karina nos Godards todinhos.
Marilyn Monroe em qualquer coisa.








Cartas de Amor de JLG

«There was theatre (Griffith), poetry (Murnau), painting (Rossellini), dance (Eisenstein), music (Renoir). Henceforth there is cinema. And the cinema is Nicholas Ray.»


«If the cinema no longer existed, Nicholas Ray alone gives the impression of being capable of reinventing it, and what is more, of wanting to.
While it is easy to imagine John Ford as an admiral, Robert Aldrich on Wall Street, Anthony Mann on the trail of Belliou la Fumee or Raoul Walsh as a latter-day Henry Morgan under Caribbean skies, it is difficult to see the director of "Run for Cover" doing anything but make films. A Logan or a Tashlin, for instance, might make good in the theatre or music-hall, Preminger as a novelist, Brooks as a schoolteacher, Fuller as a politician,
Cukor a press agent - but not Nicholas Ray.
Were the cinema suddenly to cease to exist, most directors would be in no way at a loss; Nicholas Ray would.»

Pleonasmo

Um filme de Sorrentino realmente mau.

Amor à camisola

Em Berlim entrevistei o Álex de la Iglesia a propósito do El Bar, filme que esteve presente nesta edição do MotelX. Quando a passei a limpo, deparei-me com este excerto que tive que "embelezar", mas prefiro deixar aqui a versão suja e honesta (e deontologicamente incorreta) do que se passou:

«Dudu: Na conferência de imprensa disse que as suas influências são Buñuel e Carpenter...
Alex: É apenas um exemplo. O que queria era salientar um contraste. Buñuel é considerado um cineasta importante e sério, enquanto Carpenter é um cineasta que faz filmes de série-B. Esta combinação, entre coisas importantes e coisas estúpidas é o que faz o meu cérebro.
Dudu (excitado, bate com a mão na mesa): Mas o Carpenter não é "estúpido"! Olhe que até a crítica mais intelectual gosta do Carpenter!
Alex (encolhido e a sorrir): Obrigado. Muito obrigado.»

Geralmente sou um gajo educado e neutro nestas situações. Mas raios, também tenho que mostrar amor à camisola.

domingo, 10 de setembro de 2017

"Le cinéma sonore a inventé le silence." Robert Bresson, Notes Sur le Cinématographe

"The rest is silence." William Shakespeare, Hamlet


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O plano clandestino de «North by Northwest»

«(...) Dag Hammarskjöld proibiu que se fizessem filmes de ficção utilizando o edifício das Nações Unidas, depois de um filme que se intitulava The Glass Wall. Apesar disso, fomos até ao edifício das Nações Unidas e, enquanto os guardas vigiavam o nosso material, filmámos um plano com uma câmara oculta; a entrada de Cary Grant no edifício.»

Hitchcock / Truffaut

North By Northwest (1959), Alfred Hitchcock

Preencher o tapete

«François Truffaut (F.T.):  (...) justamente atrás de Clift, ao lado da mulher de Otto Keller, doce, formosa e comovida, vê-se uma mulher gorda, bastante repugnante, comendo uma maçã e cujo olhar expressa uma curiosidade maligna.

Alfred Hitchcock (A.H.): Sim, coloquei esta mulher de uma maneira deliberada, especial. Dei-lhe a maçã e disse como comê-la.

F.T.: Bom, isto é algo que ninguém do público nota, porque se vêem fundamentalmente as personagens já conhecidas. Trata-se, portanto, de uma exigência sua, não em relação ao público, mas a si próprio e ao filme.

A.H.: Mas, escute-me, essas coisas têm que ser feitas... Trata-se sempre de preencher o tapete e já dissemos que é preciso ver um filme várias vezes para observar o conjunto dos detalhes. A maior parte das coisas que introduzimos num filme perdem-se realmente, mas, seja como for, trabalham a seu favor quando voltam a ser distribuídos vários anos depois; damos-nos conta de que segue algo sólido e que não passou de moda.»

Hitchcock / Truffaut

I Confess (Confesso!, 1953), Alfred Hitchcock