quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Perguntaram uma vez ao Andrew Sarris para, a partir de uma dúzia de filmes que tinha acabado de ver, dar a sua definição de cinema em 3 palavras. A sua resposta, visivelmente entusiasmada: "Girls! Girls! Girls!"

Por isso, sempre que me lembro de filmes como Streets of Fire, Rumble Fish, The Outsiders ou Cotton Club só me apetece bradar alto e sem pudor: "Diane! Diane! Diane!"

(Uma dança pelos seus 55 anos, e que prova bem aquele aforismo de Truffaut: "o cinema é a arte da mulher, e o trabalho de um cineasta passa por colocar mulheres bonitas a fazerem coisas bonitas". Pelo menos, para mim, prova.)



domingo, 19 de janeiro de 2020

Há uma cena no Cul-de-sac do Polanski onde o criminoso tem a sua barba feita com uma navalha de barbear empunhada pelo marido do casal que detém como cativo. Acredito que, dada a quantidade de situações muito mais extravagantes que o filme contém, essa cena acabe por passar quase por despercebida, mas a mim lembrou-me uma outra semelhante do "The Criminal Code" do Hawks, onde um director da prisão (e antigo advogado de acusação) interpretado por Walter Huston é barbeado por um dos seus prisioneiros, dando início a este diálogo que Hawks encena com um sentido de humor malicioso, e do qual sei cada linha de cor:

"-Don’t I know you?
-You do.
-I sent you up, didn’t I?
-You did.
-I don’t remember what for.
-For cutting a guy’s throat."

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e pessoas sentadas

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Tess (1979), Roman Polanski


"I like snakes"

A editora da revista Vogue, Polly Mellen, após uma sessão de fotografias de moda normais com a Nastassja Kinski, perguntou-lhe se ela tinha alguma coisa em especial de que gostasse. Resposta calma dela: "I like snakes." Dias depois, trouxeram uma jibóia. O fotógrafo Richard Avedon, atrevido, questionou à actriz se estava disposta a fazer uma sessão nua com a serpente. Kinski, nonchalant, apenas aquiesceu. A modelo pôs-se como veio ao mundo deitada sobre o chão de cimento, e um treinador colocou o réptil sobre os seus tornozelos, tentando fazer com que este trepasse pelo esbelto corpo da modelo acima. Não foi bem-sucedido. Duas horas passaram, a equipa estava a ficar impaciente, Kinski sempre imóvel com o seu profissionalismo, mas a jibóia continuava a não obedecer. De súbito, para espanto de todos, a serpente começou a subir-lhe pelo tronco muito lentamente. Quando chegou à cabeça da sua Eva, estendeu a língua bifurcada em direcção ao rosto, como se fosse beijá-la. "This is it!", gritou o Avedon. Kinski manteve o olhar estóico. *Click* E o resto é história.

"Nastassja Kinski and the Serpent", 1981, Richard Avedon. 

domingo, 12 de janeiro de 2020

O que eu gosto neste livro (e no filme) é o de abordar Hollywood não como uma “máquina de sonhos”, mas sim de decepções, rejeições e decadências. Aspirantes a actrizes tornam-se pegas, figurantes passam os dias à espera de chamadas que não chegam, directores de arte enlouquecem, grandes cenários sofrem derrocadas, tudo cai, enquanto uma multidão de espectadores, que cobiçaram o glamour edénico que viam no grande ecrã e foram para oeste após uma vida parcimoniosa para obtê-lo, ficaram nas mãos apenas com as suas ambições feitas em pequenos cacos. O sonho americano é uma droga que deixa quem nele acredita afogado em modorra. A anarquia é o despertar. “Burn, Hollywood, burn.”

(Tudo isto porque no outro dia disseram-me, “Ah, ó Duarte, já que não gostas do Birdman, diz lá um filme que seja uma melhor crítica a Hollywood do que ele.” Claro que digo, pá. E se não saquei do Wilder ou do Altman foi porque seria demasiado fácil.)
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«O seu enfado torna-se cada vez mais terrível. Compreendem que foram enganados e ardem em ressentimento. Toda a sua vida leram o jornal e foram ao cinema diariamente. Tanto um como o outro os nutriram de linchagens, assassínios, perversões sexuais, explosões, naufrágios, amores ilícitos, incêndios, milagres, revoluções, guerras. Este regime quotidiano fez deles pessoas sofisticadas. O sol é uma anedota. As laranjas não conseguem tilitar-lhes os palatos sofisticados. Já nada consegue ser suficientemente violento para lhes retesar os corpos e os espíritos froixos. Foram logrados e traídos. Viveram escravizados e pouparam para nada.»

«O Dia dos Gafanhotos», Nathanael West. Trad. Maria Teresa Alves
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The Day of the Locust (1975), John Schlesinger



Textos Dezembro 2019

Tommaso (2019) de Abel Ferrara:

E ainda... o reencontro cine-amoroso do Francisco Noronha, a reflexão amargurada do João Lameira quanto ao futuro da distribuição, o sincero entusiasmo do Joao Araujo por cada uma das parcelas que compõe a sua listagem, os desejos natalícios do Ricardo Gross, as assumidas obsessões cinematográficas do Samuel Andrade... Poderia continuar a enumeração, mas basta isto para clarificar que, num artigo de listas de final de ano no À Pala de Walsh, o que menos importa são elas. E ainda bem.
«And the phone rings and I answer it. A voice in the other end says, "How would you like to be this year's vodka men?" I said, "No. I'm an artist, I do not do commercials. I don't pander. I don't drink vodka. And if I did I wouldn't drink your product." And he said, "Too bad, it pays fifty-thousand dollars." And I said, "Hold on. I'll put Mr. Allen on the phone."»