sábado, 1 de dezembro de 2018

«Ao entrar no quarto, eu ficara de pé no limiar, não ousando fazer barulho, e outro não ouvia senão o do seu hálito, que vinha expirar-lhe nos lábios, em intervalos intermitentes e regulares, como um refluxo, mas mais entorpecido e mais doce. E no momento em que os meus ouvidos recolhiam esse rumor divino, parecia-me que era, condensada nele, toda a pessoa, toda a vida da encantadora cativa, ali estendida sob os meus olhos. (...)

Então, sentido que o seu sono estava no auge, que eu não chocaria com escolhos de consciência agora cobertos pela maré-cheia do sono profundo, saltava deliberadamente e sem rumor para cima da cama, deitava-me ao longo dela, enlaçava-lhe a cintura com o braço, pousava os lábios na face e no seu coração, depois, em todas as partes do seu corpo, a minha mão livre e que também era soerguida, como as pérolas, pela respiração da adormecida; eu próprio era deslocado ligeiramente pelo seu movimento regular: tinha embarcado no sono de Albertine.»


Em Busca do Tempo Perdido: A Prisioneira, Marcel Proust. Tradução de Maria Gabriela de Bragança.


La Captive (2000), Chatal Akerman