quarta-feira, 19 de junho de 2019

Le genou de Janet

Janet Leigh no Jet Pilot do Sternberg. Escreveu o Truffaut que neste filme "o erotismo é do mais insidioso, do mais subtil, do mais eficaz e do mais refinado que existe." Pessoalmente, basta-me ver o que o realizador e a actriz conseguem aqui com um joelho para lhe dar toda a razão.




domingo, 16 de junho de 2019

Da autobiografia do Josef von Sternberg, Fun in a Chinese Laundry, um encontro entre ele e o Eisenstein em Berlim, durante a rodagem d' O Anjo Azul:

«The Russians have always, though subservient to political ideologies, managed to invest their work with notable values. Eisenstein was a fluidly expressive commentator, and we frequently discussed all our common interests. He barred none, not even one of such potential danger to him as the subject of government control of the arts. When I asked him how his country rewarded a good film, he told me jokingly, though he might well have been serious, that when a director made a good film in Russia he was rewarded by having a window added to his room, and if his film was bad he was shot for treason. I inquired as to the number of windows in his room and he answered, "One".»


O Samuel e eu fomos, juntamente com o amigo Rui, membros do júri da crítica deste ano do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa. Tirando os perfeitamente normais hematomas, fracturas ósseas e traumatismos cranianos provocados na nossa discussão final para seleccionar o grande vencedor, foi uma experiência bastante pacífica e divertida.

Optámos por dar o prémio principal ao belo, atmosférico e surpreendente "Ferrugem", filme que aborda o bullying e a exposição virtual na adolescência com um cuidado na mise en scène, fotografia (do mago das luzes e cores Rui Poças) e montagem que, opinião pessoal, fazem-no verdadeiramente ser muito bom, assim como o seu realizador, Aly Muritiba, um dos cineastas a acompanhar com mais interesse nos próximos anos.

Dou aqui a minha opinião sobre 5 dos filmes vistos (entre os quais o "Ferrugem") e peço ajuda ao Samuel para falar do 6º e vencedor da nossa menção honrosa, "Boni Bonita", cuja defesa entusiasta na altura ao filme bem justifica estar em formato escrito.

E obrigado aos membros do Festival pela oportunidade. Foi verdadeiramente um prazer, para mais estando em tão boa companhia no júri.

http://www.apaladewalsh.com/2019/06/festin-2019-coracoes-cobertos-de-ferrugem/?fbclid=IwAR2x3gtWgGdXENv_O7vLudkokycn3qzZTn8ny5pYHSNJ7QNvvfpfQaJeVKQ

quarta-feira, 5 de junho de 2019

A kiss isn't just a kiss

Já não o desde via há um tempo e decidi aproveitar para descobrir a "versão preview" do My Darling Clementine do Ford.

Para os que não sabem, o filme acabava originalmente com um aperto de mãos entre o xerife Wyatt Earp e Clementine, antes deste se fazer à estrada, após falarem na hipótese do seu regresso. Quando o filme passou por uma exibição teste, as audiências riram-se com o dito gesto de despedida, pedindo nos cartões comumente atribuídos nestas ocasiões que ocorresse, ao invés, um beijo entre eles. Zanuck, que estava à frente da Fox na altura, viu a reacção provocada, leu a dita sugestão e, para desgosto de Ford, ordenou a filmagem de um grande plano com o cobiçado ósculo, criando a versão mais divulgada e conhecida do filme. 

Agora, este simples enquadramento faz uma diferença imensa entre um caso e outro. Antes dele havia a sensação de ciclo, da necessidade do protagonista em partir para outra cidade que precisa mais dele do que Clementine, e que a sua existência se resumiria inevitavelmente à elaboração do dever de forma emocionalmente descomprometida. Com a sua adição, fica vincado o desejo apaixonado de retorno, tornando a união entre Earp e Clementine num futuro indefinido mais palpável. Porque, ao contrário do que diz a canção, aqui um beijo não é apenas um beijo, anuncia uma abrupta mudança interna da personagem (pode-se traçar um paralelismo entre este momento e aquele em que John Wayne pega Natalie Wood nos braços, perto do final de The Searchers), o término da postura tímida e afectuosamente repressiva que Earp tinha mostrado diante de Clementine até ali. Após a erradicação do mal em Tombstone, Earp está finalmente apto em exprimir-se sentimentalmente para com ela, fazendo daquele gesto terno o mais lógico para marcar o fim da sua jornada de violência e a possibilidade do alcance de um pouco de paz num lugar remoto das paisagens americanas. 

E tudo isto para dizer que a conclusão que tirei ao comparar as duas versões foi esta: que um plano pode alterar toda a interpretação que se tira de uma cena, que um gesto pode mudar a maneira de ver o que se poderá seguir sobre duas personagens, que a diferença entre um filme muito bom e uma obra-prima talvez possa estar em algo tão simples como um beijo.


Já que estamos numa semana em que o Orson Welles é tema comum de conversa entre cinéfilos (e porque não há humor como o fordiano)

Numa entrevista à Playboy, perguntaram-lhe quais eram os cineastas que ele preferia. Resposta: "os velhos mestres - pelo que quero dizer John Ford, John Ford e John Ford... Com o Ford no seu melhor, sente-se que o filme viveu e respirou num mundo real - mesmo que tenha sido escrito pela Mãe Machree."

Quando o Peter Bogdanovich contou pouco tempo depois este incidente ao Ford, o cineasta veterano perguntou-lhe onde é que andava o Welles por aqueles dias. Bogdanovich disse-lhe que ele se encontrava no Beverly Hills Hotel. Ford grunhiu e, um par de dias mais tarde, o hotel recebeu um telegrama que dizia: "Caro Orson. Obrigado pelo elogio. Assinado, Mãe Machree.”