domingo, 11 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 1

Andava interessado em Singapura desde o ano passado, altura em que descobri que um país de 3o mundo, apenas 7 vezes maior do que Lisboa, tinha, no espaço de uma ou duas décadas da 2a metade do séc. XX, alcançado um nível de qualidade de vida que o colocava ao nível dos de 1o. Não foi sem custo. A beleza, segurança e conforto singapurenses envolveram também a aplicação de métodos que, para quem vem do Ocidente, provocam um inevitável choque cultural. Para se entrar na cidade-estado onde tudo funciona (o sistema de saúde, os transportes, a economia) passa-se por um controlo de segurança rígido onde tudo se regista (o passaporte, o rosto, as impressões digitais); a pastilha elástica está banida; o consumo de comida em transportes públicos é multável; o tráfico de droga é punível com a morte; o Estado interfere na imprensa; e ainda se aplicam punições físicas no sistema prisional.

Discuto quase isto tudo com Steve, um habitante local, natural da Malásia, que prontamente me auxilia a utilizar o sistema de metro quando viajo rumo ao hotel e me apresento como um turista português acabado de chegar, à noite, de um voo de 17 horas. Durante o trajecto do aeroporto a City Hall, pergunto-lhe se é verdade que não há sem-abrigos em Singapura. Responde-me, com o máximo de genuinidade, "O que é isso?". Questiono-lhe se o que o país tem de bom compensa o mau. Replica-me, sem o mínimo de hesitação, "Sim, absolutamente". E, sobre segurança, deixa-me 2 notas que me marcam: "O Estado é tão controlador que pode estar, agora, um polícia disfarçado à paisana a ouvir esta nossa conversa" e "Tu és o responsável por ti próprio. Se sabes que não fizeste nada de mal, então nada tens a temer".

O choque cultural é muito para quem vem do Ocidente. Mas o fascínio também. Olhamos para os espaços e vemos várias religiões, etnias e nacionalidades a conviverem entre si. Os risos ouvidos e a disponibilidade generosa como a de Steve mitigam a sensação de se estar numa democracia iliberal. E a fonte luminosa no aeroporto espoleta uma tranquilidade próxima à de um grandioso cartão de boas-vindas que afirma: "Vem conhecer, sem medos, este país". Mal posso esperar pela chegada da manhã para o fazer.

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