sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Diário de Singapura: Dia 6

Mendigar é ilegal em Singapura. De modo a não serem penalizados, a maneira dos mais economicamente desfavorecidos conseguirem o desejado apoio é sentarem-se no chão e estenderem a mão em frente (como os pedintes normais), mas, ao invés de a apresentarem vazia, colocá-la com pequenos pacotes de lenços para venda, os quais o altruísta esmolador pode escolher levar ou não consigo. Vi isto acontecer mais do que uma vez, ficando, em mim, desfeito por completo o mito que tinha lido algures de que Singapura não tem pedintes. Tem, sim. Simplesmente, souberam adaptar-se ao excessivo conjunto de leis que também define a ilha. 

Esta não é a unica proibição de sentido discutível. Andando pelos diferentes tipos de espaços públicos singapurenses, é frequente encontrar-se pelo menos um aviso associado a uma qualquer interdição. Nas escolas, a de fumar a menos de 5 metros da porta delas. Nos campos de basquetebol, a de jogar após as 21h30. Nas casas-de-banho públicas, a de deitar lixo no chão. Nas zonas de restauração, a de abandonar tabuleiros sujos. Nos transportes, a de comer e beber. Nas ruas, a de magoar voluntariamente alguém, a de consumir álcool fora dos horários pré-determinados ou a de atravessar as estradas fora das passadeiras. O efeito psicológico destes sinais, como o das placas e câmaras CCTV, é o de uma intimidação silenciosa, um alerta discreto que sussurra, "Nós estamos a ver-te", alerta esse que, não por acaso, já me havia explicitamente deparado numa placa policial daqui e que instantaneamente me lembrou do mote de "1984": "O Grande Irmão está a ver-te." A tecnoutopia distópica de Singapura também se sumariza assim: o resultado do cruzamento da Disneyland com o magnum opus de George Orwell. 

É por isso que acho corajosa a exposição, numa modesta loja em Little India, de uma t-shirt que adverte para um conjunto de restrições do país e das consequências dos respectivos incumprimentos, que, consoante o tipo de delito, vão da multa à pena de morte, passando pelas vergastadas. É uma t-shirt que está não só visível como também colocada de forma ao transeunte comum poder facilmente ler o seu conteúdo. Escondê-la-ão os seus vendedores quando as forças policiais passam por aquela rua? Ou estas últimas crerão que contribui para o efeito psicológico mencionado, usando-a em seu benefício? Independentemente da resposta, creio que há que saudar o facto de ainda não existir um sinal de interdição para ela. Pelo menos, por enquanto. 

Esta t-shirt não é, no entanto, o que mais se destaca de Little India. Entrando em Tekka Centre, observa-se um microcosmo do comércio e da cultura indiana, com os comensais a almoçarem com as mãos, as mulheres em grupo vestidas com os seus sáris ou a parte do mercado ostentando, para venda, o encantador vestuário típico do país. Depois da Arab Street e de Chinatown, esta zona reforça a impressão que L. comigo já partilhara: a de que Singapura é um excelente ponto de partida para um ocidental conhecer o Oriente, tamanha é a paisagem cultural rica e diversificada oferecida.

PS: Para quem só lê este diário de viagem aberto para obtenção de recomendações turísticas, fica mais um par delas. As Peranakan Houses, pequeno aglomerado de coloridas habitações suburbanas que trazem à memória os Palheiros da Costa Nova; e o centro comercial Ngee Ann City, cuja labiríntica livraria disponibiliza uma selecção de mais de meio milhão de livros, tornando-a num autêntico Toys R Us para bibliófilos.





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