domingo, 21 de março de 2021

O cinema americano das últimas décadas vive uma crise tremenda: se, por um lado, está dotado de mulheres lindíssimas, por outro, não menos abastado está de cineastas incapazes de lidarem com tanta beleza. Serve isto para falar do "Driven" do Renny Harlin (filme com o grande Stallone que ainda não tinha visto) e do papel que nele ocupa Estella Warren, deslumbrante actriz de rosto vermeeriano, ombros de nadadora e boca voluptuosa (foi o Ebert que escreveu: "os seus lábios poderiam amortecer uma desagradável queda"). Como é que Harlin não lhe devota o máximo de tempo permitido a uma actriz secundária, estudando afincadamente as suas expressões faciais radiantes ou fazendo-a interagir com o espaço em pequenos gestos capazes de espelharem a sua graciosidade e elegância? Ao invés, salvo um bonito momento de natação sincronizada, só lhe restam as tiradas banais e previsíveis do argumento, acompanhadas por uma câmara semi-irrequieta com os seus zooms, travellings e refocagens, assim como mil e um cortes nas cenas de diálogo para os espectadores com défice de atenção, anulando, em boa parte, o impacto estético da contemplação paciente da sua anatomia facial. Não estou a rogar por um Woody Allen a lambuzá-la de laranjas crepusculares, mas é evidente que se pedia maior respiração nos planos, maior paciência da câmara, maior inércia da montagem para haver concentração na candura deleitosa da sua face lisa, deixando o espectador ser minado e contaminado por ela.

E lanço a questão: que dupla realizador/actriz no cinema americano de hoje se equipara a Sternberg e Dietrich, a Griffith e Gish, a Hawks e Bacall, a Quine e Novak? Será que, tirando o Allen, não há um realizador capaz de construir odes e sonetos de celulóide à beleza feminina das suas musas? Será que o mais perto que temos disso é o O. Russell e a Lawrence? É pouco. Actrizes como a Warren, a Gadot, a Adams, a Chastain ou a Fox merecem algo infinitamente melhor do que a efemeridade dos cheques chorudos para projectos menores que lhes batem à porta: a imortalidade da verdadeira grandeza cinematográfica. Porque, citando o que Pedro Mexia escreveu, há uns anos, sobre a frequentemente desaproveitada Johansson: "Não basta ser uma obra-prima. É preciso, também, fazê-las."

Sem comentários:

Enviar um comentário