segunda-feira, 19 de junho de 2017

Philip Kaufman, entre o bestial e a besta

Só recentemente comecei a ler Henry Miller, prazer que sempre me foi negado quando era mais novo derivado do cariz erótico da sua literatura. No seu romance Moloch encontrei uma frase solta que me prendeu e que cito de memória: 

Não se brinca com o corpo de uma mulher como se fosse uma guitarra.

Poderia bem ter-me passado ao lado tivesse eu a lido há um ano ou dois, mas recordei-me daquele plano simbólico, quase incompreensível e que não passa despercebido que está no Henry & June (1990) de Philip Kaufman, do qual só tive a oportunidade de visualizar há uns meses. Aí, num grande plano da mão esquerda, a personagem de Fred Ward (a interpretar o próprio Henry Miller) acaricia o seio da mulher, June (Maria de Medeiros). Num cross dissolve nada discreto, a imagem desta carícia matrimonial acaba sendo substituída por... justamente uma guitarra, tocada por uma personagem que se encontra num jardim vizinho.

Ora, isto para mim representa uma de duas coisas: ou Kaufman construiu um filme ilustrando frases soltas de vários romances de Miller para falar do próprio escritor (o que o faz, senão um realizador com uma ideia brilhante, pelo menos original), ou então que não percebeu nada da filosofia das suas personagens (pelo menos, desta em questão que é supostamente semi-autobiográfica, portanto, semelhante à de Miller), tendo ido justamente contra ela. Tenho assim Kaufman entre o bestial e a besta e tudo por causa do mesmo plano.

Talvez isto não passe de uma mera casualidade e ambos sejam apenas grandes apreciadores de guitarras e mulheres... Seja como for, a grande falha aqui é minha que ainda não li Miller o suficiente.


Henry & June (1990), Philip Kaufman

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