segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Jean-Luc Godard sobre Bitter Victory (1957) de Nicholas Ray:

«Havia o teatro (Griffith), poesia (Murnau), pintura (Rossellini), dança (Eisenstein), música (Renoir). Agora há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray. (...) Bitter Victory não é uma reflexão da vida, é a própria vida tornada em filme, vista por trás do espelho onde o cinema a intercepta. É de uma vez o mais directo e o mais secreto dos filmes, o mais subtil e o mais bruto. Não é cinema, é mais do que cinema. (...)

Como é que alguém pode falar de um filme assim? De que adianta dizer que o encontro entre Richard Burton e Ruth Roman enquanto Curt Jurgens observa é editada com um brio fantástico? Talvez esta tenha sido uma cena onde os nossos olhos se tenham cerrado. Pois Bitter Victory, como o Sol, fecha-nos os olhos. A verdade cega.»


segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Deste lado quer-se muito ver The Other Side of the Wind. Enquanto não chega, ficam um par de excertos de Truffaut sobre Welles:

«A meu ver, todas as dificuldades encontradas por Orson Welles com o box office, e que certamente reprimiram o seu impulso criador, resultam do facto de ele ser um cineasta-poeta. Os financistas de Hollywood (e, para ser justo, o público do mundo inteiro) admitem a bela prosa, John Ford, Howard Hawks, ou mesmo a prosa poética, Hitchcock, Roman Polanski, mas muito mais dificilmente a poesia pura, a fábula, a alegoria, o conto de fadas."

"Orson Welles realizou filmes com a mão direita – Kane, Ambersons, os três Shakespeare, História Imortal, The Other Side of the Wind – e filmes com a mão esquerda, os thrillers. Nos filmes da mão direita, há sempre neve, nos da mão esquerda, disparos de fogo. Mas todos constituem o que Cocteau chamava de "poesia de cinematógrafo".»

(Na imagem, Huston, Welles e Bogdanovich nas rodagens do que esperamos que venha a ser um dos filmes do ano.)


quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O meu nº 1

Quando tinha 10 anos, tive na escola a cadeira de Área de Projecto que consistia na divisão da turma em vários grupos que teriam de trabalhar um tema em comum, apresentando, no final do ano, um trabalho sobre ele. Nesse ano lectivo (o meu 5º), o tema foi "cinema". Estava a léguas de saber o que isso era (francamente, ainda estou, mas já não entro em pânico por isso). Para mim, cinema era o Indiana Jones, o Star Wars, e os filminhos de super-heróis que lá ia ver, todos os Verões, com o meu pai ao Oeiras Parque ou ao Cascais Shopping. No dia em que o tema foi atribuído, cheguei a casa e pedi ao meu pai ajuda porque não sabia mesmo em que me estava a meter. Ele saiu para ir à fnac e, quando voltou, trouxe este filme. Vi-o e fiquei boquiaberto. Como podia algo tão curto (50 min), sem efeitos especiais, a preto-e-branco e, para mais, mudo, conseguir ser tão forte, tão bonito, tão cómico e, ao mesmo tempo, tão comovente ("um filme com um sorriso e talvez uma lágrima", era assim que começava, e com razão)?

Foi o princípio daquilo a que poderei chamar a minha "cinefilia". Nas semanas seguintes, fui vasculhando e abrindo a colecção de DVDs clássicos que ainda habita cá em casa. Mais Chaplin, sim, mas também o Bogart, o Gone with the Wind e também os principais Coppolas, vieram-me todos parar às mãos por ela. O tempo passou, e quando já conhecia a colecção de trás para a frente, fui eu enriquecendo-a com as descobertas que ia fazendo por outras vias. Mas nunca deixei este filme. Revi-o com colegas de escola, amigos e, quando foi reposto em sala há uns anos, com a minha namorada da altura. No meio da transitoriedade de todas essas relações, ele permaneceu, ao nunca deixar de me causar o mesmo "impacto" com que o descobri. É por isso que é o meu número 1. Continuo a revisitá-lo, de quando em vez.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Saudades dos clássicos

«Uma coisa abusiva no cinema, e que não existe em outras áreas e que é umas das coisas que critico é que muitas vezes as pessoas que fazem filmes não os fazem constantemente. Não é uma profissão, digamos, regular; a não ser antigamente, em Hollywood. É por isso que os filmes eram… digamos, melhores, apesar de tudo; é o que me parece, de maneira geral; o filme médio era melhor que o filme médio actual; havia um pouco mais de conteúdo. Isso decorria simplesmente do facto de que as pessoas eram pagas por dia pelos grandes estúdios, e o pessoal vinha bater o ponto, por bem ou por mal, como numa fábrica, e na cantina conversavam com outras pessoas que faziam a mesma coisa… Havia um savoir-faire médio, uma harmonia média que se podia criticar, mas que existia; e hoje não existe mais. »

Jean-Luc Godard, Introdução a uma Verdadeira História do Cinema, 1980 (Tradução: Antonio de Padua Danesi)

domingo, 22 de abril de 2018

O que é impressionante nas actrizes do cinema americano de há 60 ou 70 anos é a capacidade que têm de revelar mais lubricidade com o uso de uma parte do seu corpo do que as que de hoje tentam forçosamente provocar, quando se expõe quase como se tivessem acabado de vir ao mundo. E podemos falar dos braços da Hayworth, do jogo de ancas através dos calções da Lana Turner, de um simples suspiro da Monroe (continue a enumerar quem quiser). Pura voluptuosidade, a anos-luz de ser rotulada como vulgar. A esta lista, passo a juntar os ombros da Ava Gardner no Mogambo. Hollywood hoje está mais púdica, mesmo quando mostra mais. E se alguém vê nisto um paradoxo, então não percebe o estado a que chegaram as coisas.



Mogambo (1953), John Ford