Quando se é um rapaz introvertido de 9 ou 10 anos, a descoberta da série "Friends" tem um efeito transformador. Aqueles que a viram sabem de quem é a culpa: Chandler Bing, o membro do grupo genuinamente mais cómico que recorre, de forma sistemática, ao sarcasmo humorístico como mecanismo de comunicação e interacção social ("Não sou bom a dar conselhos. Estarias interessada num comentário sarcástico?", diz num dos episódios). Como o "Gato Fedorento" (série influenciada pelo "Friends" desde a origem do nome), Chandler ensina que o melhor sentido de humor está em saber olhar para qualquer coisa de um prisma original e inesperado.
Matthew Perry, o actor que o interpretou, fez por tantos millennials aquilo que o Ricardo Araújo Pereira fez por tantos jovens portugueses da altura: criou uma linguagem, uma imagem e uma maneira de estar que influenciaram uma geração. Agradecer pelos risos é pouco quando o que está em causa é mais do que isso: a formação de uma personalidade, em anos de juventude, que perdura para a vida inteira. Com Matthew Perry, aprende-se que o ego saudável é aquele que sabe rir de si próprio, que o humor é um elemento saudável para lidar com qualquer circunstância e que a genuína felicidade pode ser causada por uma simples piada.
Apesar da aclamação continuada que a série recebe, e apesar de ter enveredado por outros projectos igualmente merecedores de atenção (o "Studio 60 on Sunset Strip" de Aaron Sorkin), o seu legado mais importante foi lançado o ano passado: a sua autobiografia, onde mostra que o actor capaz de causar tanta alegria andava a passar esses e outros anos em clínicas de reabilitação. É um retrato honesto, íntimo e comovente sobre a adicção. E é também dos livros mais engraçados que conheço. Que essa mistura entre graça e desgraça sirva de lição a tantos moralistas de hoje que afirmam que o humor tem limites e que não se brinca com coisas sérias.
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