O mais curioso de se ver no vídeo do Apple Vision Pro (os recém-anunciados óculos de realidade mista da maçã multinacional norte-americana) é a regularidade com que os seus vários utilizadores aparecem completamente sós. Certo, há 2 momentos em que tal não acontece: quando uma rapariga é interrompida para falar com uma amiga que suspende a sua reclusão (o que pouco tem a ver com o dispositivo) e quando um pai filma as brincadeiras das suas filhas (o que nem é a principal funcionalidade deles, embora, inevitavelmente, levante questões interessantes sobre se o futuro normal do entretenimento audiovisual não passará por este uso extensivo do ponto-de-vista do actor). Mas o entusiasmo com que as pessoas vêem cinema, desporto, ou apenas fotografias dos seus álbuns pessoais é um entusiasmo solitário, atomizado, impossível de ser compartilhado com os mais próximos por não estarem instrumentalmente dotados para verem o que o outro vê. Coisas que até aqui tomávamos como normais, acessíveis com qualquer televisão ou computador (a comédia romântica com a parceira, o jogo de futebol com os amigos, a exposição à família das fotografias das últimas férias), tornam-se, com este portentoso aparelho, simplesmente irrealizáveis. A afirmação do prazer implica a negação da partilha real da sua experiência. É um óptimo reflexo que confirma o futuro da sociedade que gradualmente tem vindo a surgir: quanto mais tecnologicamente musculada, mais gregariamente se encontra subnutrida.
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