«-Chardin - disse Charley. - Sim, já o conheço.
-Mas já olhou alguma vez para ele?
(...)
-Isso? - exclamou Charley com espanto. - Um pão e um jarro de vinho? É verdade que estão muito bem pintados.
-Sim, tem razão. Estão muito bem pintados. Estão pintados com piedade e com amor. Não é um simples pão e um simples jarro de vinho. É o pão da vida e o sangue de Cristo, mas não já negados aos que se finam de fome e de sede, ou servidos em óbolos pelos padres em determinadas ocasiões. É o sustento quotidiano da Humanidade sofredora. É tão humilde, tão natural, tão amigo! É o pão e o vinho dos pobres que só pedem que os deixem em paz, que lhes permitam trabalhar e comer em liberdade o seu simples passadio. É o grito dos desprezados e dos rejeitados. Diz-nos que, por maiores que sejam os seus pecados, os homens, no fundo, são bons. Esse pão e esse jarro de vinho são símbolos das alegrias e dos pesares dos mansos e humildes. Eles pedem-nos compaixão e afecto. Dizem-nos que esses homens são da mesma carne e do mesmo sangue que nós. Dizem-nos que a vida é curta e áspera, e a sepultura fria e solitária. Não é um simples pão e um simples jarro de vinho: é o mistério do destino do homem na terra, do seu anseio por um pouco de amizade e um pouco de amor, e da sua humilde resignação quando vê que até isso lhe tem de ser negado.»
«Férias de Natal», W. Somerset Maugham. Tradução de Leonel Vallandro
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Still Life with Bottle, Glass and Loaf (séc. XIX), Imitador de Jean-Siméon Chardin* |
*Mas, na altura do romance de Maugham, a autoria era atribuída ao próprio Chardin. E esta divergência em nada inviabiliza a análise no texto.
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