Prestes a embarcar rumo aos Açores, recebo uma mensagem da companhia aérea: "Informamos que o seu voo vai cheio, pelo que pode deixar a sua bagagem de cabine para ser levada no porão gratuitamente".
Obrigado, TAP. Mas acho que irei dispensar.
"É o pior filme que já vi na minha vida."
"É ainda pior que o remake d''O Pátio das Cantigas'."
"Está ao nível da minha peça de finalistas do 3º ciclo."
(Comentários de dois familiares meus, que não são propriamente cinéfilos, sobre "O Pátio da Saudade" de Leonel Vieira, heróico realizador que faz "filmes portugueses para o público".)
Vale a pena discutir a solução de Dov Waxman para o conflito israelo-palestiniano. O autor inglês não acredita na solução dos dois Estados (algo implausível depois do assassinato de Yitzhak Rabin, do fracasso dos Acordos de Oslo e da Segunda Intifada) nem na solução do Estado único (um "sonho utópico liberal", como o próprio o define, inaceitável para Israel devido à divergência das taxas de natalidade que, mais tarde ou mais cedo, tornaria os israelenses numa minoria dependente da vontade maioritária dos palestinianos). Muito menos numa limpeza étnica de uma das partes. Sucintamente, a solução de Waxman passa por dois Estados soberanos, Israel e Palestina, unidos numa confederação semelhante ao dos Estados-membros da União Europeia.
Em que difere da habitual solução dos dois Estados? Na governação conjunta de certas áreas (água, ambiente), na cooperação extensiva em sectores estratégicos (segurança, economia), numa fronteira aberta de forma gradual (permitindo a livre circulação de bens e pessoas) e, finalmente, na administração de Jerusalém de modo conjunto e internacionalmente supervisionado. Junte-se a isto a disjunção entre direitos de residência e de cidadania, e tanto a questão dos refugiados palestinianos como a dos colonos israelenses estariam (pelo menos, em tese) resolvidas, garantido aos primeiros o direito de regressarem e aos segundos a segurança de permanecerem. A tese está sumarizada na seguinte analogia: "a solução convencional de dois Estados propõe um divórcio (e uma divisão de bens) entre israelitas e palestinianos, uma solução de um Estado propõe um casamento arranjado (ou até forçado) e uma solução confederal sugere que coabitem e formem uma parceria entre colegas de casa."
(Óptimo livro que explora tanto as narrativas de ambos os lados como os acontecimentos históricos mais marcantes e que, como suspeitava, me deixou no final com mais questões do que quando o comecei, lembrando tantas e tantas vezes aquela frase do Renoir simultaneamente certeira e terrível: "O problema do mundo é que todos têm as suas razões.")
Coitada da Regina Spektor que, em 2025, tem o duplo infortúnio de ser russa e judia, numa altura em que tantos confundem "russo" com "putinista" e "judeu" com "netanyahuista", esperando que cada artista em qualquer uma destas condições debite slogans de activismo de sofá (incluindo em concertos que as boas almas virtuosas não têm o minímo de pudor em perturbar) sob o risco de ser visto como um pária na manhã seguinte pela Internet. Já não se pede a um artista que seja bom, pede-se que seja um estandarte moral imaculado capaz de exibir ou enjeitar a sua nacionalidade ou religião de acordo com a situação geopolítica da época, mesmo que a geopolítica passe e a arte fique.
Não me interessa que a Spektor seja russa ou judia (que é), não me interessaria que fosse partidária das políticas de Putin ou Netanyahu (que, até onde sei, não é). Interessa-me aquilo que, para mim, desde que a ouvi pela primeira vez, sempre foi: uma cantautora extraordinária, cujas canções são capazes de unir ao invés de separar e de transcender a ignorância e o preconceito. Pelo menos para os que estão dispostos a ouvi-las.
Bots, redes sociais, intervencionismo norte-americano, jornalismo politicamente enviesado, manipulação da opinião pública, bilionários de sonhos utópicos civilizacionais, conluio entre poder político e corporativo, invasões de nações soberanas sob o pretexto de derrubar lideranças tirânicas, teorias da Grande Substituição, o medo anti-"alien" (onde o alien quer dizer menos "extraterrestre" do que "estrangeiro")... sai-se da sala com a impressão de ser ter visto o jornal da noite cheio de efeitos especiais, tal é o escapismo pouco escapista no modo como a tela não faz esquecer o mundo lá fora, mas, antes, providencia uma máscara (e uns boxers por cima das calças) para reflectir sobre ele. Quando, dentro de uma década ou duas, fizermos uma lista de filmes políticos que tenham sabido encapsular o zeitgeist dos 2020s, não me admirará se este filme ocupar um dos lugares cimeiros. Óptima surpresa. E ainda faz rir.
(E, claro, a Sara Sampaio. Não bastava ser estupidamente gira, ainda é uma actriz muito fácil de simpatizar. Mas que não fique aprisionada neste tipo de papel como o outro nosso conterrâneo Joaquim de Almeida ficou no de mafioso latino-americano.)
Superman (2025), James Gunn