quinta-feira, 31 de julho de 2025

Coitada da Regina Spektor que, em 2025, tem o duplo infortúnio de ser russa e judia, numa altura em que tantos confundem "russo" com "putinista" e "judeu" com "netanyahuista", esperando que cada artista em qualquer uma destas condições debite slogans de activismo de sofá (incluindo em concertos que as boas almas virtuosas não têm o minímo de pudor em perturbar) sob o risco de ser visto como um pária na manhã seguinte pela Internet. Já não se pede a um artista que seja bom, pede-se que seja um estandarte moral imaculado capaz de exibir ou enjeitar a sua nacionalidade ou religião de acordo com a situação geopolítica da época, mesmo que a geopolítica passe e a arte fique.

Não me interessa que a Spektor seja russa ou judia (que é), não me interessaria que fosse partidária das políticas de Putin ou Netanyahu (que, até onde sei, não é). Interessa-me aquilo que, para mim, desde que a ouvi pela primeira vez, sempre foi: uma cantautora extraordinária, cujas canções são capazes de unir ao invés de separar e de transcender a ignorância e o preconceito. Pelo menos para os que estão dispostos a ouvi-las.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Bots, redes sociais, intervencionismo norte-americano, jornalismo politicamente enviesado, manipulação da opinião pública, bilionários de sonhos utópicos civilizacionais, conluio entre poder político e corporativo, invasões de nações soberanas sob o pretexto de derrubar lideranças tirânicas, teorias da Grande Substituição, o medo anti-"alien" (onde o alien quer dizer menos "extraterrestre" do que "estrangeiro")... sai-se da sala com a impressão de ser ter visto o jornal da noite cheio de efeitos especiais, tal é o escapismo pouco escapista no modo como a tela não faz esquecer o mundo lá fora, mas, antes, providencia uma máscara (e uns boxers por cima das calças) para reflectir sobre ele. Quando, dentro de uma década ou duas, fizermos uma lista de filmes políticos que tenham sabido encapsular o zeitgeist dos 2020s, não me admirará se este filme ocupar um dos lugares cimeiros. Óptima surpresa. E ainda faz rir.

(E, claro, a Sara Sampaio. Não bastava ser estupidamente gira, ainda é uma actriz muito fácil de simpatizar. Mas que não fique aprisionada neste tipo de papel como o outro nosso conterrâneo Joaquim de Almeida ficou no de mafioso latino-americano.)

Superman (2025), James Gunn

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Estado da Nação


Gosto muito de brincar ao jogo da mímica com crianças de 8 anos. Infelizmente, não é um prazer recíproco. É que elas não acham grande piada quando digo que a solução para a minha imitação é "autarca corrupto a aceitar suborno para adjudicação de obra pública".